VIVIANE GUELLER

Caixa de Alarme de Incêndio

Caixa de Alarme de Incêndio

PRÊMIO INCENTIVO À CRIATIVIDADE
Ainda Não

Vivemos em uma época de excesso de opiniões e certezas, e a necessidade que cada um tem de fazer seu ponto de vista se sobressair. Todos são conhecedores, especialistas e experts em qualquer assunto (desde vacinas até conflitos no Oriente Médio ou na Ucrânia), e têm de se posicionar e manifestar seus achismos em postagens e comentários intermináveis e incontidos nas redes. Porém, desde os filósofos pré-socráticos, são as perguntas e as dúvidas que fazem parte do caminho do conhecimento, e não as certezas.

Ainda Não é uma intervenção sonora em torno da incerteza, da dúvida, do lapso, de um não manifestar-se como resistência. A percepção de um intervalo – evidenciado pelo som de vozes hesitantes – entre o que se quer dizer e o que realmente é dito. Como nos lembra sua etimologia, a palavra intervalo se estende a diversos usos; dentre eles, espaço que separa dois pontos, dois objetos, dois elementos ou dois lugares e o de pausa entre um momento e outro. Experiência espaço-temporal que produz certo descolamento em relação ao contínuo, que permite a constituição de um sujeito, uma ideia ou um encontro. O território intervalar da vida, de lugares e situações de passagem, a duração dos ciclos da natureza, a clareira como um intervalo de luz na mata.

Trata-se de um trabalho que procura dar visibilidade ao que está entre, que busca abrir uma fresta, um espaço de enunciação para o sujeito – para aquilo que nos escapa. O esforço nas vozes ao tentar falar algo nos remete àquilo que ainda não sabemos, a expressão da dúvida, um lapso entre o tempo cronológico e o tempo subjetivo, entre o hesitar e o êxito, entre o sim e o não existe um vão.

Em uma época em que a opinião é obrigatória, torna-se cada vez mais urgente nos lembrarmos do benefício da dúvida. Neste sentido, a voz é por excelência a manifestação de nosso pensamento titubeante.

Para Gonçalo Tavares, a diferença entre linguagem escrita e verbal está nas particularidades da voz, que pode tremer, elevar-se, baixar de tom, hesitar, ser sólida ou não. A linguagem, quando dentro da voz, torna-se orgânica: com as variações próprias de um organismo, com a sua debilidade e a sua força, com a sua expressão.

Neste sentido, destaca-se também a especificidade da audição, um sentido privilegiado, o primeiro a despertar no feto, como observa Paul Zumthor. O ouvido, com efeito, capta diretamente o espaço ao redor, o que vem de trás quanto o que está na frente.

A proposta desta intervenção sonora de ocorrer no espaço expositivo da Câmara Municipal de Porto Alegre se dá justamente por ser um trabalho que procura dar visibilidade ao que está entre as coisas, em lugares e situações de passagem, de convívio entre a arte e o exercício político da cidade. A ideia é ativar este percurso onde várias pessoas circulam diariamente, despertando a escuta e a atenção.

[1] Texto sob responsabilidade do artista.