Na minha pesquisa busco pensar formas de impressão pautadas em uma visão da gravura em campo ampliado, onde ela dialoga com outras linguagens e expande suas fronteiras. Partindo de uma ideia de arquivamento de materiais e memórias, faço coletas pela cidade e em casa, dirigindo um olhar atento ao micro e ao macro dos espaços. Esses materiais que se juntam aos meus documentos de trabalho, são percebidos como parte do processo, coisas que escolho guardar e que se tornam parte da minha rotina de ateliê.
O encontro com esses objetos se deu quando me mudei para um apartamento mobiliado, que carregava do piso ao teto, em todas as paredes e recintos, marcas e memórias de outras pessoas que para mim eram totalmente desconhecidas. Pessoas que saíram e deixaram os mais diversos itens pessoais, que carregam memórias que datam de mais de um centenário. Após alguns anos vivendo como forasteira nesse espaço, comecei a me interessar por esses objetos que me olhavam; eles se tornaram parte do meu cotidiano, comecei a tirá-los dos roupeiros e armários e me deixei percebê-los diariamente. Esse é um dos processos que se relaciona diretamente com minha prática de ateliê, penso como o ambiente pode ser um agente na produção, e insiro elementos de interesse nesse espaço, buscando posteriormente identificar essas relações e referências que se manifestam no trabalho.
A inclusão do estudo da sombra no meu processo deu-se no período de confinamento, em 2020. A partir de uma observação mais longa do espaço e da relação dele com a luz comecei a me interessar por essa resultante do contato entre os dois: a sombra. A sombra configura-se como uma matriz no meu processo, forma-se pela interposição de um objeto entre a fonte de luz e um anteparo, alguns raios de luz ficam retidos no obstáculo/objeto e outros seguem caminho até encontrarem uma superfície, formando uma região luminosa em torno da silhueta bidimensional. A sombra também se apresenta como o duplo, como um outro daquele que a projeta, é um signo de ausência/presença.
Para dar forma à essas sombras que estiveram em contato com o papel ou tecido, e tiveram sua silhueta contornada a fim de conservar o formato, procurei por algo que me remetesse a repetição da gravura, após alguns experimentos, decidi incorporar um gesto mecânico de repetição de pontos utilizando a máquina de costura. As linhas em ziguezague se repetem e se multiplicam formando uma área mais escura de acordo com a proximidade entre elas, assim como quando utilizo o desenho para, a partir de hachuras, construir a imagem pela repetição de gestos. Como desdobramento desses trabalhos passei também a representar o objeto desenhado juntamente com sua sombra costurada em ziguezague na cor azul, partindo de outros experimentos de ateliê que me levaram ao uso do azul nas sombras.[1]
[1] Texto sob responsabilidade da artista