ANDRÉ VENZON

Obra 1 Narciso 1, Série CIDADE SEM FACE, 2024, fotografia, 100 x 75 cm

Narciso 1 e Narciso 2 – Série Cidade Sem Face – 2024

O tapume transforma-se em membrana de separação e ligação entre interior e exterior, embora apresente uma impossibilidade de passagem física, é simbolicamente atravessado por diferentes sentidos. Ele expõe a emergência do lugar concebido como predição de uma mudança urbana. A não passagem, que pode ser anulada pelo interstício simbólico do material, levanta as possibilidades de hibridismo no plano artístico e cultural, e impõe uma hierarquia ao espaço urbano.

São antes os espaços físicos, sociais e culturais, onde ocorrem os processos de instauração da série de obras Cidade Sem Face, ações fotográficas desenvolvidas desde 2005, e com as quais se evidencia o não diálogo, a incomunicabilidade que o cubo de tapume estabelece entre o corpo e a cidade. Em quase todas as imagens há uma frontalidade proposital, frente às fachadas ou muros; as tomadas fotográficas são a uma distância que enquadra a figura humana, que algumas vezes está centralizada na composição geométrica, outras não, e explora os contrastes cromáticos das cenas. O posicionamento do corpo é mais rígido, estático em relação ao espaço,  sem movimento, acentuando ainda mais o corpo desprovido dos  órgãos nobre  da representação.

A característica de permeabilidade, de possibilidade de trânsito, de imprevisibilidade, converte o tapume em um novo signo, em uma nova tradição cultural a ser construída, que transforma o lugar do presente, da barreira e da impermeabilidade, em lugar de deslumbramento da experiência poética, elevando o tapume a objeto artístico voltado para o espaço urbano – o que lhe restitui o poder público e o eterniza – do qual todos podem participar com sua percepção corporal, além de senti-lo apenas com os olhos. Tudo se verifica nesse encontro: a visão sensorial torna-se reconhecimento do espaço, uma primeira conexão entre o corpo e a cidade.

Obra 2 Narciso 2, Série CIDADE SEM FACE, 2024, fotografia, 100 x 75 cm

 

Um cubo rosa, com pouco mais de 30 cm de altura, feito em compensado de madeira. Com ele, o apagamento do rosto, o apagamento da identidade. Agora fotografando um habitante de Porto Alegre durante a enchente de maio de 2024, com a caixa fúcsia sobre a cabeça, segue a reflexão sobre não apenas a invisibilidade dos sujeitos, mas sobre a invisibilidade da cidade, ou pelo menos de algumas de suas regiões, neste caso, o 4º Distrito. O material adotado, nesse sentido, já sugere tal aspecto. Presente na construção civil, o tapume isola áreas, privando-as de um tipo de evidência, ao mesmo tempo, em que lhes confere outra, pela cor. [1]

Narciso 2, Série Cidade Sem Face, 2024 – Fotografia, 100 x 75 cm

[1] Texto sob responsabilidade do artista.