Na pintura abstrata, a linguagem é outra. Para entendê-la, sem nela tentar ler a natureza, é necessário estar aberto a ver o gesto. É ele que guia todas as ações que acontecem na tela, tornando visível e palpável a intenção do artista, o gesto transmite a mensagem visual dos sentidos. A abstração, por si só, representa o universo pessoal do artista, e, não se comprometendo com a realidade, ocupa uma dimensão fora do nosso tempo e espaço. Escala, cor e experimentação também são elementos interligados na abstração: é como se um permitisse a presença do outro. A escala propicia que a tela tenha mais profundidade — e caligrafia é um bom exemplo disso —, é como se conseguíssemos alcançar a experiência de adentrar, de corpo inteiro, seu espaço; a partir de suas camadas de tinta, a escala permite que a pintura tenha essa presença opulenta, e enseja um uso de cores, materiais e movimentos corajoso. Aqui vemos um jogo de alternância entre os tons de azul e seus tons complementares, cores que tem um significado simbólico em nosso inconsciente coletivo, e que são manipuladas a fim de evidenciar o gesto. A obra possui vários pontos focais compostos por elementos que interagem entre si, e que atravessam a tela conduzindo o olhar do espectador: são as linhas em giz pastel (que se contrapõem por serem o material seco do conjunto), os respingos de tinta mais clara — ao centro da composição — e a raspagem da tinta ainda úmida, que revela o amarelo vivo que se escondia na camada anterior. São precisamente esses elementos, experimentais em sua natureza, que sustentam a base do trabalho da artista. A potência do trabalho da artista está no gesto firme, incisivo, intuitivo mas pensado. Ana trabalha com dinamismo e com o arrojo do movimento, mas atenta-se ao estudo das cores, formas e técnicas; trabalha com a espontaneidade das descargas criativas, mas empenha-se no constante esforço de ordenar o caos. Assim, Ana Flávia deseja transmitir — através de uma espécie de caligrafia própria — sua mensagem, para todo aquele que estiver disposto a olhar.[1]
[1] Texto para a obra escrito pela historiadora da arte Sofia Mazzini